A ATUAL REALIDADE DA ODONTOLOGIA

Há 40 anos com 100 milhões de habitantes, o Brasil registrava cerca de 62 mil cirurgiões-dentistas. Com 201 milhões de habitantes, somos hoje 261 mil cirurgiões-dentistas dos quais 55% se concentram em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A população brasileira duplicou e o número de cirurgiões-dentistas quadruplicou.

A partir de 1980, a sociedade brasileira sofreu profundas transformações nas relações do trabalho, notadamente pelo recrudescimento de sua dependência ao capital monopolista internacional. Se por um lado, o mercado consumidor cresceu significativamente, por outro os setores produtivos e de serviços ficaram submetidos as regras da globalização, onde as grandes potencias sufocam as economias ditas emergentes.

Como consequência o trabalho odontológico, foi duramente atingido. Isto porque, o exercício da odontologia é marcadamente específico, exigindo alta complexidade técnica e no emprego de materiais clínicos e cirúrgicos, com custos cada vez mais caros.

Logo, para entender a realidade atual, esses fatores não podem ser desprezados.

Os desmontes e as privatizações das empresas públicas como, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), a Petrobrás, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Furnas, a Embratel, a Eletrobrás, a Vale do Rio Doce dentre outras, tem peso significativo na retração dos atendimentos particulares. Essas empresas empregavam cerca de 2,5 milhões de funcionários, cujos salários garantiam a visita periódica aos consultórios. A maioria das grandes empresas privadas mantinham ambulatórios dentários para atender seus empregados e dependentes — o chamado salário indireto — gerando assim empregos para os cirurgiões-dentistas. Este mercado de empregos foi sumariamente exterminado!

A partir de 1976 entra em cena os credenciamentos próprios da empresa e a figura dos planos odontológicos, substituindo os clientes particulares pelos usuários dos convênios de grupo. Trocando em miúdos, a relação direta profissional/cliente foi paulatinamente substituída pela intermediação das grandes empresas operadoras do setor. Sem alternativa, inicia-se a fase da corrida da maioria dos cirurgiões-dentistas para ingressar nas redes conveniadas que nivelam por baixo os honorários profissionais, impondo contratos pessoais que, em geral, o cirurgião-dentista assina sem ler. De um lado, o profissional garroteado por um draconiano contrato e, do outro, os incomensuráveis lucros das operadoras. Está é a lógica perversa das operadoras que controlam o mercado.

Nas décadas seguintes quadruplicaram-se a criação das faculdades gerando, sem nenhum planejamento, um contingente de profissionais cuja maioria não têm outra alternativa senão trabalhar em clínicas populares, em associações de classe ou partilhando o consultório. Sem falar, em escala menor, no profissional que explora outro profissional. Emprego estável, com expectativa de um futuro seguro é raríssimo, com exceção do ensino universitário público e a carreira nas Forças Armadas e nas auxiliares (PM e Bombeiros).

Se de um lado o cirurgião-dentista e o cliente passaram a amargar está realidade, por outro lado, os grandes grupos econômicos e suas mídias sedutoras passaram a ditar as regras não só em relação aos honorários como no controle do exercício técnico da profissão, gerando sob certo aspecto, a cultura do aviltamento e a figura dos bóias-frias da odontologia. Sabem eles que, para cada profissional que desiste do plano, existe uma imensa quantidade disposta a ocupar o seu lugar.

Com formação basicamente tecnicista, sem consciência crítica, o cirurgião-dentista recém-formado acaba se transformando num vetor sem rumo. Sem perspectivas para construir sua vida profissional com segurança e, lógico, com o merecido êxito financeiro.

Felizmente, nem tudo está perdido. Medidas como; proibir a criação de novas faculdades, redução nos custos operacionais do exercício profissional, abertura de concursos públicos em todos os níveis, salários e vencimentos dignos, são a ponta do iceberg para saída da crise.

Em relação aos convênios, a única alternativa concreta de combater a exploração da maioria esmagadora dos planos de saúde é discutir e planejar as ações específicas a serem conduzidas pela categoria NACIONALMENTE, já que a estratégia de mercado desses planos é nacional.

Para o SINDICATO DOS CIRURGIÕES-DENTISTAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (SCDRJ) somente a realização de um ENCONTRO NACIONAL SOBRE A REALIDADE DO TRABALHO ODONTOLÓGICO a ser realizado em Brasília com a participação de todas as entidades representativas da odontologia, juntamente com o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os representantes do Congresso Nacional e do setor privado, será possível dar início a uma nova ordem que reverta a médio prazo esta realidade. Caso contrário, continuaremos dando soco em ponta de faca, chovendo no molhado ou nadando para morrer na praia. Aliás, transferir comodamente, para os sindicatos e os conselhos de odontologia, de forma simplista e desunida, a responsabilidade pelo atual quadro em que se encontra a profissão é, além de injusto, uma demonstração de se manter no eterno breus das tocas. Sem união e sem participação; não há solução. Uni-vos!

JOSÉ ROBERTO GOMES CORRÊA
Presidente do SCDRJ